

reinvenção e dança
Novas tempos trouxeram para a dança novas maneiras de ensinar e novas formas de aprender
UMA QUASE DEFINIÇÃO
Reportagem por Ana Beatriz Rosa
Segundo o dicionário, dança significa "série ritmada de gestos e de passos ao som de uma música". Contudo, segundo aqueles que amam e praticam, a dança tem um significado muito mais profundo e subjetivo que qualquer definição proposta por um manual teórico. Muito além de espantar males, quem dança decide empurrar para o lado a inércia derivada de uma vida corrida que traz consigo um constante cansaço e abraçar a arte que envolve o corpo, a música e os sentidos. Foi diante desta realidade que veio como quem não quer nada e, ainda assim quer ficar, uma pandemia mundial e avassaladora. Pode-se imaginar, portanto, o desafio para aqueles que possuem o hábito da dança de enfrentar uma quarentena imposta sem previsão de volta à normalidade.
Para uma melhor experiência, prefira a tela de um computador


CAPÍTULO 1 jazz e contemporâneo

Para a fisioterapeuta Camilla Martins, de 24 anos, a ficha sobre a gravidade do que estávamos enfrentando demorou a cair. Ela conta que no início de 2020 ainda estava estagiando num hospital particular quando as notícias sobre o coronavírus chegaram no mês de Janeiro. "A gente tratava com muita seriedade e apreensão porque, de certa forma, era uma coisa que ninguém conhecia e a gente sabia que seríamos a linha de frente", declara ela. No meio de fevereiro, o estágio foi interrompido por motivos de segurança e Camilla diz que passou a viver a quarentena com os pais em casa.


"Em casa, eu fiquei na minha vivência incluindo muito mais a dança a partir daí por conta do online. No início da pandemia, com os fechamentos das academias, os professores começaram a se reinventar e passaram a dar as aulas online", continua.
Como alguém que retornou para a dança em 2015, Camilla afirma que desde então tem se desenvolvido bastante, mas que seu auge mesmo chegou nos últimos anos, especialmente em 2019. Sendo no período mais cansativo por excesso de trabalhos e estresse na faculdade, o ano de 2019 também trouxe com a dança um lugar para se apoiar e se desestressar da carga pesada de uma rotina frenética.
Inclusive, em 2020, ela colecionava muitos planos para esta área. "Ao contrário do que se pensa, a dança não é algo cansativo", declara, "A correria, a rotina do dia a dia e as tarefas da casa é que tornam tudo muito cansativo! Pelo contrário, as aulas são muito mais reconfortantes e relaxantes em comparação ao que as pessoas pensam".
Ela afirma que após o fechamento das academias no início da quarentena, se deu início ao período de workshops em várias escolas de dança diferentes. Comenta ainda que muitos professores começaram a dar aulas ao vivo de forma independente, algumas academias passaram a abrir de forma online e as aulas, a serem pagas. Camilla diz que o seu primeiro mês sem aulas foi estranho. "Não é a mesma coisa de estar em uma sala de aula com o professor e amigos e, para mim, era um pouco complicado. Principalmente tentar saber como fazer um movimento ou se eu estava fazendo o certo. Então, a gente tinha que prestar mais atenção na questão da coordenação motora, mas depois de um tempo acabou que encontramos uma maneira de fazer os movimentos e melhorar um pouco", admite.
Ela revela que no primeiro, segundo e terceiro mês de quarentena começaram as enxurradas de lives de dança com vários professores diferentes, de várias academias e diversas partes do mundo e que nessa época se viu fazendo aulas todos os dias em diferentes horários. Neste período, havia lives no Instagram, Facebook e YouTube e as aulas se tornaram algo mais fácil de se ter acesso.
Ela confessa que quando as aulas retornaram de forma paga, continuou procurando e fazendo aulas gratuitas para depois de um tempo, então, ver que seu professor estava oferecendo aulas de três modalidades: ballet, jazz e contemporâneo. Escolheu, portanto, as duas últimas.
Camilla diz que continuou com a rotina de alongamentos e atividades pois esta era uma de suas principais cobranças por saber que uma hora a pandemia iria acabar. "Quero estar preparada para continuar minha vida lá fora. Como fisioterapeuta, sei que parar iria me fazer mais mal, tanto na questão física como na questão psicológica. A pandemia tem sido um período difícil para muita gente e ninguém escapa do que tem acontecido", revela.
Segundo ela, sua escola de dança voltou a abrir no fim do lockdown com todos os cuidados. Primeiro com as aulas infantis, depois adolescentes e os adultos foram os últimos. Até o momento desta reportagem, a academia ainda está aberta, mas Camilla não retornou presencialmente.

CAPÍTULO 2 danças orientais árabes
Para Raquel Oliveira, a guia de turismo de 37 anos, o processo de se ver em uma quarentena foi gradativo. Ela confessa que não teve um momento exato no qual percebeu que precisaria viver muito tempo em isolamento. Segundo ela, cada semana ou mais 15 dias iam sendo acrescentados até que se desse conta de que já estava há seis meses em casa.
Dentro dos âmbitos das danças orientais árabes (dança do ventre), a qual ela pratica, Raquel acredita estar numa classificação intermediária desde que a pandemia começou. No entanto, ela explica que sua professora, a também entrevistada Aline Maria, consegue dar aulas para alunos de vários níveis, cobrando de cada um algo diferente. Sendo assim, esclarece, então, que as dificuldades foram outras. "A pandemia acabou com os meus sonhos! Todos os meus sonhos em várias áreas. Eu tinha planos de participar de concursos, de apresentações solo ou em grupo, de ir a eventos, de fazer uma viagem, tudo isto relacionado à dança. Investir mais em cursos, figurinos, tudo isto foi abalado. Porque à medida que eu não pude trabalhar também não pude investir mais na dança, não houve eventos como eram, viagens sendo canceladas. Tudo ficou muito diferente! Não é que parou, mas ficou muito diferente", admite.




Raquel comenta sobre as diferenças no orçamento durante a quarentena
Apesar disto, ela afirma não ter se deixado levar pela enxurrada de lives, pois haviam muitos outros conteúdos para acompanhar, fora o home office e também afazeres gerais da vida cotidiana. Portanto, explica que filtrou aquilo que realmente considerava interessante, tanto para o aprendizado como para distrações.
Um fator de muita importância que ela ressalta é o apoio recebido por sua professora com aulas teóricas sobre temas como a cultura árabe, os primórdios da dança e ritmo. "Um tempo de muito aprendizado", revela. Raquel continua dizendo que também havia muitos eventos online promovidos pela professora como saraus e aulas de maquiagem com uma aluna que também é maquiadora profissional. Ela enfatiza que procurou nas lives o que era importante para ela, não apenas sendo levada pelas muitas informações.
playlist das experiências de Raquel
um momento bonito de união
a gata que ama a dança
experimentando outras facetas
se apresentando doente
Depois de um grande período com aulas online, "o ano passado praticamente inteiro" segundo ela, voltaram as aulas de maneira presencial. Raquel conta que voltou mas ficou até março e está no online novamente. "No primeiro dia de volta ao presencial eu notei muita diferença porque eu sinto falta. Sinto falta do espelho ali porque na tela do computador ou você vê a professora fazendo ou se vê fazendo e na aula presencial você vê tudo, você vê a colega. Tem a diferença de estar ali, não adianta", desabafa. Inclusive, ela confidencia um pouco sobre sua primeira aula presencial depois de meses online: "Foi uma aula com um objeto que não gosto de lidar, que é o véu, e eu fiz como se fosse parte do meu corpo e com muita vontade. Se fosse em casa, tenho certeza que não iria render daquele jeito. Por mais que eu tente, me esforce e tenha conseguido me adaptar, ainda tem essa diferença", comenta.
Raquel Oliveira também conta que viu novas pessoas aderindo à dança pela primeira vez no formato online, mas lembra que sua professora, além de criteriosa, é muito cuidadosa com o corpo do outro. Inclusive, termina dizendo que os critérios utilizados são para que os alunos não venham a se prejudicar e sofrer lesões, o que faz com que sua professora evite pessoas completamente crus e leigas na dança como um geral e aceite apenas aqueles com um mínimo de consciência corporal.
Raquel comenta sobre ver suas colegas de aula perdendo a vergonha
Como o estúdio no qual Raquel dança é na casa de sua professora, ela esclarece que nunca houve o perigo de fechar as portas devido a aluguéis e dívidas de um espaço comercial. Contudo, lembra que muitas alunas precisaram deixar as aulas por motivos diversos relacionados a pandemia, como o fato de não estarem mais trabalhando, home office e desgaste psicológico. Ela acredita, portanto, que estes foram um dos fatores que impactaram no orçamento.